Fragmento do artigo de Terry Marcos Dourado, publicado na edição de estreia da Revista da Semira, edição de janeiro de 2013, com circulação em todo o Estado de Goiás. |
A primeira edição da "Revista da Semira", que circulou em todo o Estado de Goiás, a partir de janeiro último, traz um artigo especial do bacharel em Direito e jornalista Terry Marcos Dourado, fundador e presidente da Associação por Cidadania e Direitos Humanos LGBT na Região dos Grandes Rios do Brasil Central (ACDHRios Brasil Central), também presidente da Rede de Organizações LGBT do Estado de Goiás (REDELGBT-GO), conselheiro estadual LGBTT de Goiás e diretor executivo na função de secretário nacional de Comunicação da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), a maior rede de organizações LGBT da América Latina com status consultivo junto a Organização das Nações Unidas (ONU).
Terry Marcos Dourado, ex-professor da Rede Estadual de Educação e diretor cinematográfico estreante, está produzindo o filme curta-metragem "Menos Um", que pretende mostrar de forma impactante e sem censura a gravíssima problemática das violências homofóbicas (verbal, psicológica, moral e física) nas escolas e universidades brasileiras. Com o título: "Se a escola não ensina, ensine a escola a respeitar a sua cidadania - O sistema educacional brasileiro, em sua metodologia, não funciona como deveria", o seu artigo publicado na revista institucional da Secretaria de Estado de Políticas para Mulheres e Promoção da Igualdade Racial (Semira), órgão do Governo de Goiás, chama a atenção pública para a necessidade de uma educação mais humana e humanitária, que respeite as diferenças (diversidade) dentro e fora das salas de aula.
O artigo escrito por Terry Marcos Dourado ocupou duas páginas centrais da Revista da Semira. |
A seguir, confira a íntegra do artigo de Terry Marcos Dourado publicado na Revista Semira - Edição 01 - Janeiro de 2013:
SE A ESCOLA NÃO ENSINA, ENSINE A ESCOLA A RESPEITAR A SUA CIDADANIA
O sistema educacional brasileiro, em sua metodologia, não funciona como deveria
Por
Terry Marcos Dourado (*)
A
pesquisa intitulada “Juventudes e Sexualidade”, realizada pela UNESCO e
publicada em 2004, aplicada em 241 escolas públicas e privadas em 14 capitais brasileiras,
revelou que 39,6% dos estudantes masculinos não gostariam de ter um colega de
classe homossexual; 35,2% dos pais não gostariam que seus filhos tivessem um
colega de classe homossexual; e 60% dos professores afirmaram não ter
conhecimento o suficiente para lidar com a questão da homossexualidade na sala
de aula.
Entre
tantas outras importantes pesquisas realizadas, destacamos também a produzida e
divulgada em 2011, pela organização não-governamental Reprolatina. Realizada em
11 capitais brasileiras, incluindo Goiânia, a pesquisa registra que, durante
uma visita dos entrevistadores/pesquisadores em escola da capital goiana, “um
estudante se aproximou da equipe de pesquisadores e disse: “Olha, esse aqui é o
viadinho da escola”. O menino não falou nada e depois foi agredido fisicamente
por colegas. Momentos depois a diretora deu um empurrão num menino surdo para
fazê-lo entrar na sala porque ele não tinha “escutado” o sinal para entrar na
sala. Na sala de aula não tem intérprete para surdos.”, relata a pesquisa.
A pesquisa da
Reprolatina também relata: “Em outra escola, durante uma entrevista com um
estudante chegou outro estudante e chutou o entrevistado. Posteriormente vieram
um segundo e um terceiro meninos que também chutaram o menino entrevistado,
batendo numa ferida que ele tinha na perna. Nessa hora, o menino agredido
manifestou sentir dor, mas falou que já estava acostumado a ser agredido. O
pesquisador interveio, mas os agressores foram embora sem prestar muita
atenção. Duas meninas que estavam próximas, que se referiram como amigas do
menino agredido falaram que ele gosta de ser agredido e que, inclusive, provoca
as agressões. (...)”.
Estes, são pequenos fragmentos de uma gravíssima doença social chamada homofobia que, como um câncer ou o HIV/Aids, vai corroendo mentes ignorantes; também a vida e as esperanças de um futuro melhor da parte de suas vítimas. São adolescentes, jovens e adultos, excluídos do convívio social, “expulsos” ou “deletados” das escolas e universidades goianas e brasileiras pelo simples motivo de terem uma sexualidade ou uma orientação sexual ou uma identidade de gênero diferente dos padrões heteronormativos de uma sociedade que, embora finja ser diferente, ainda é ultraconservadora, dogmática, religiosamente fanática, e pseudomoralista, em pleno século 21.
Estes, são pequenos fragmentos de uma gravíssima doença social chamada homofobia que, como um câncer ou o HIV/Aids, vai corroendo mentes ignorantes; também a vida e as esperanças de um futuro melhor da parte de suas vítimas. São adolescentes, jovens e adultos, excluídos do convívio social, “expulsos” ou “deletados” das escolas e universidades goianas e brasileiras pelo simples motivo de terem uma sexualidade ou uma orientação sexual ou uma identidade de gênero diferente dos padrões heteronormativos de uma sociedade que, embora finja ser diferente, ainda é ultraconservadora, dogmática, religiosamente fanática, e pseudomoralista, em pleno século 21.
Considerando que a
sexualidade não é necessariamente perceptível, salvo quando ela é publicamente
expressa, seja por via verbal ou através das manifestações de afeto, em plena
“era moderna”, ainda há uma forte vigilância social considerando o tripé
comportamental “sexo-gênero-sexualidade”, a partir do sexo masculino e
feminino, gerando expectativas sobre o que são coisas de homens e coisas de
mulheres e, a partir daí, criando formas de ser, de agir e de se expressar. Mas
à medida em que as pessoas de um determinado sexo não seguem à risca tais
expectativas, elas sofrem punições, na forma de discriminação, marginalização
ou mesmo sendo física, moral e psicologicamente violentadas, uma vez que o tal
“desvio” pode significar uma ameaça de rompimento da norma heterossexual, o que
seria “inaceitável” e “inadmissível”.
Capa da edição de estreia da "Revista da Semira". |
No contexto geral, com
relação aos aspectos social e político, a homofobia afeta a todos e todas, se considerarmos
o fato de que a homofobia é um sintoma gravíssimo de uma sociedade que promove
a discriminação, a desigualdade, por não respeitar a pluralidade ou diversidade
sexual.
Uma das facetas da
homofobia se manifesta por meio de crimes de ódio, ou seja, assassinatos de
lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT), motivados pela
discriminação destas orientações sexuais e identidades de gênero, que no
entendimento de preconceituosos e homofóbicos, ferem diretamente o direito
fundamental à vida. Desde meados dos anos de 1980 o Grupo Gay da Bahia (GGB)
produz o Relatório Anual de Assassinatos de Homossexuais, que na sua edição
deste ano de 2012, até hoje, 10 de dezembro, já contabilizou quase 320
“homicídios” – um recorde altamente negativo para o Brasil, na área dos
direitos humanos, pois o nosso país, a cada ano, se afirma como o país com o
maior número de assassinatos homofóbicos no mundo.
Não podemos esquecer
que a homofobia que ocorre via estigmas, preconceitos e discriminações, ainda
torna suas vítimas, cidadãs e cidadãos LGBT, muito mais vulneráveis à
depressão, transtornos de ansiedade generalizados e de conduta e distúrbios no
uso de álcool e drogas. Além disso, fazem com que pessoas LGBT tornem-se mais
propensas a pensar em e atentar contra suas próprias vidas, ou a fugirem de
suas casas (isso, quando não são expulsas pelas próprias famílias) passando a
viver na marginalidade.
O Brasil, através de
suas autoridades governamentais, em todas as esferas (municipais, estaduais e
federal) precisa, emergencialmente por um fim definitivo nesta realidade
maligna, cruel, absurda. Uma realidade inaceitável, inadmissível, mas que
ocorre todos os dias dentro e fora das escolas brasileiras: a homofobia!. Uma
realidade dolorosa para centenas, milhares de estudantes que são execrados,
humilhados, torturados em sua dignidade e cidadania, torturados fisicamente
(alguns até a morte!)...
Cada vez mais
adolescentes e jovens vêm sendo humilhados, socialmente excluídos da sociedade
e do ambiente escolar por terem a orientação sexual ou a identidade de gênero
diferente da "maioria" das pessoas/colegas. São ações
de "bullying", são ações preconceituosas... É a homofobia
presente - e cada vez mais forte – dentro e fora das escolas brasileiras.
Escolas que deveriam, em tese (e também na prática), serem ambientes de
educação e formação de um caráter humano sadio, sem preconceitos, onde todos
sejam iguais mesmo em suas diferenças. Mas, infelizmente, a verdade é outra.
O sistema educacional
brasileiro, em sua metodologia, não funciona como deveria. Há muitas falhas. Os
preconceitos sociais, em especial a homofobia, fazem parte da rotina escolar em
todos os 27 Estados Brasileiros, incluindo o Distrito Federal. E o resultado
desta lastimável realidade é, dentre outras situações negativas, o alto índice
de evasão escolar pelas vítimas dos preconceitos, pelas vítimas da forte
homofobia. Uma maioria quase absoluta de professores, "educadores",
coordenadores pedagógicos, funcionários administrativos, diretores escolares e
demais servidores das escolas brasileiras são ignorantes em não saberem como
lidar naturalmente com a homossexualidade na rotina escolar. As escolas
brasileiras - exceções à parte - não sabem educar seus alunos para respeitar a
diversidade natural da dinâmica da Vida. Não sabem como educar seus alunos para
respeitar o próximo como ele é, respeitando as diferenças entre seres humanos
que completam o todo chamado "Sociedade".
Portanto, cidadãs e
cidadãos LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais): se a
escola não ensina, está mais do que na hora de ensinarmos a escola a respeitar
a sua cidadania.